ICMS sobre Autoprodução de Energia Elétrica no Ambiente de Contratação Livre de Energia

ICMS in Self-production of Electricity in the Free Energy Market

Gabriela Cavalcanti Bueno Rodrigues

Especialização em Direito Tributário pelo IBDT. Bacharel em Direito pela PUC-SP. Advogada tributarista especializada em tributação indireta. E-mail: gabi.cbueno@hotmail.com.

Recebido em: 9-1-2025 – Aprovado em: 13-4-2025

https://doi.org/10.46801/2595-6280.59.11.2025.2681

Resumo

A legislação regulatória permite a autoprodução da energia pelo consumidor em seu próprio estabelecimento (autoprodução local) e em outro local (autoprodução remota). Na autoprodução remota, o autoprodutor pode construir a própria usina ou arrendá-la de terceiros, isoladamente ou em conjunto com outras empresas em consórcio, bem como pode adquirir a energia de outra pessoa jurídica, no modelo de autoprodução por equiparação. A incidência de ICMS só é concretizada quando há ato mercantil que resulte na alteração de propriedade da mercadoria, o que não se verifica na produção de um bem consumido pelo próprio produtor. Inobstante, há dificuldades práticas na aplicação desse entendimento quando a energia autoproduzida é transferida para outro estabelecimento do mesmo titular, em face das regras de atribuição de responsabilidade tributária e de obrigações acessórias. Logo, é importante analisar a incidência do ICMS sobre os diferentes modelos de autoprodução de energia, em face da lógica da não cumulatividade.

Palavras-chave: autoprodução, energia, ICMS, responsabilidade tributária.

Abstract

Regulatory legislation allows energy self-production by the consumer at their own establishment (local self-production) and at another location (remote self-production). In remote self-production, the self-producer can build their own power plant or lease it from third parties, either individually or jointly with other companies in a consortium, as well as acquire energy from another legal entity under the self-production by equivalence model. ICMS tax is only levied when there is a commercial act that results in a change of ownership of the goods, which does not occur in the production of goods consumed by the producers themselves. Nevertheless, there are practical difficulties in applying this understanding when self-produced energy is transferred to another establishment of the same owner, given the rules for attributing tax liability and ancillary obligations. Therefore, it is important to analyze the ICMS levy implications on different energy self-production models, considering the logic of non-cumulative taxation.

Keywords: self-production, energy, ICMS, tax liability.

Introdução

A energia elétrica é um bem essencial e indispensável na sociedade contemporânea, pois se tornou impossível imaginar ambientes residenciais, de trabalho, estudo e lazer sem conectividade às redes de energia. Contudo, a velocidade da expansão do setor elétrico nem sempre é acompanhada pela alteração da legislação tributária.

Há complexidade do setor elétrico e das legislações regulatórias e tributárias, falta de uniformidade nas decisões judiciais e escassez de doutrina que enfrente as peculiaridades da tributação do setor, o que demonstra a necessidade de estudos aprofundados para respaldar uma tributação justa e eficiente.

Dentre os desafios tributários, está a tributação das operações de energia elétrica pelo ICMS, tributo de competência estadual, cuja incidência pressupõe a transferência de titularidade da mercadoria comercializada de uma pessoa para outra1. Em princípio, a geração de energia para uso próprio – autoprodução – não representa circulação jurídica de mercadoria para atrair a incidência do ICMS. Mesmo assim, a natureza jurídica da autoprodução de energia no Ambiente de Contratação Livre (ACL) e a possibilidade de comercialização do excedente com terceiros trazem dúvidas sobre a melhor forma de tributar essas operações.

O conhecimento das diretrizes regulatórias e da estrutura do setor elétrico no Brasil é essencial para a análise da tributação incidente sobre as operações com energia elétrica. A partir do arcabouço regulatório do setor elétrico e com o objetivo de expandir as discussões jurídicas e permitir aos consumidores livres de energia o devido planejamento de seus negócios sob o prisma tributário, pretende-se examinar os limites da incidência do ICMS sobre a autoprodução de energia no ACL, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro hoje vigente.

A análise da tributação do ICMS sobre os projetos de autoprodução de energia elétrica permanece relevante mesmo após a Reforma Tributária, aprovada pela Emenda Constitucional n. 132/2023, que extinguirá o ICMS e criará o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Isso porque o ICMS continuará sendo cobrado até 2032, durante o período de transição da Reforma Tributária, e porque as questões relacionadas ao ICMS sobre energia elétrica ainda poderão ser discutidas durante o prazo decadencial de cinco anos, impactando as relações tributárias até 2037 e permitindo que os contribuintes discutam a legitimidade das cobranças realizadas e busquem a restituição de valores pagos indevidamente.

1. Aspectos regulatórios do setor elétrico e a autoprodução de energia elétrica no ACL

São atividades do setor elétrico a geração, distribuição, transmissão e comercialização de energia, reguladas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)2. Com o fim do monopólio da comercialização da energia pelas distribuidoras e a abertura do mercado para outros agentes pela Lei n. 9.074/1995, atualmente a comercialização da energia elétrica pode ocorrer em dois ambientes de contratação: Ambiente de Contratação Regulada (ACR) e ACL3.

No ACR, as operações de compra e venda de energia ocorrem entre agentes vendedores e agentes de distribuição, precedidas de licitação, sendo que os consumidores não podem livremente negociar as condições de aquisição da energia. Os consumidores podem produzir a própria energia e injetar nas redes de distribuição de sua localidade através da geração distribuída de energia com potência limitada, nos termos da Lei n. 14.300/2022.

Já no ACL, as operações com energia elétrica são preponderantemente objeto de contratos bilaterais livremente negociados, em que os agentes podem escolher como, quando e com quem contratar, podendo inclusive contratar diferentes agentes em cada etapa da circulação da energia (geração, distribuição e transmissão). A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), pessoa jurídica de direito privado e sem fins lucrativos criada pela Lei n. 10.848/2004, é responsável por liquidar a diferença entre a energia contratada em contratos bilaterais e a energia efetivamente produzida ou consumida no Mercado de Curto Prazo (MCP), conforme o Decreto n. 5.177/2004.

Além das operações de compra e venda de energia, os consumidores livres podem fazer parte do ACL para produzir a própria energia, desde que comprovada a produção para consumo próprio. Se houver produção de energia em montante maior do que o necessário para o consumo próprio, permite-se a comercialização eventual e temporária do excedente para terceiros (Lei n. 9.427/1996, Lei n. 9.074/1995 e Decreto n. 2.003/1996).

A geração de energia para consumo próprio é relevante para os agentes que possuem a energia como uma despesa considerável na condução de suas atividades, a exemplo das indústrias que utilizam a energia como insumo principal de sua produção. Dentre os benefícios da autoprodução de energia no ACL, estão a redução de custos, a isenção de encargos regulatórios (Conta de Desenvolvimento Energético, Programa de Incentivo às Fontes Alternativas, Encargo de Energia de Reserva, Encargo de Serviço do Sistema), além de alinhamento com valores ambientais de sustentabilidade quando a energia gerada é de fontes renováveis4.

A autoprodução de energia elétrica no ACL pode ocorrer de forma contígua, quando a unidade geradora da energia e a unidade consumidora estão em um mesmo local, sem interligação ao Sistema Interligado Nacional (SIN), ou de forma remota, quando a geração da energia ocorre em um local fisicamente diverso da localização do consumidor, hipótese em que é necessário utilizar o SIN.

Há diferentes modelos de negócios para estruturação de projetos de autoprodução de energia nas formas contíguas e remotas, variáveis conforme os interesses comerciais envolvidos no caso concreto, em especial o interesse ou a possibilidade de realizar investimento em bens de consumo para a construção de uma usina de energia e operação e manutenção desta mesma usina a ser utilizada para a autoprodução.

Na modalidade de autoprodução tradicional, regulada pelas Lei n. 9.074/1995 e Lei n. 9.427/1996, o consumidor obtém a outorga na Aneel como autoprodutor em seu nome, podendo investir na construção de uma usina por conta própria ou arrendar uma usina já existente de terceiros com know-how no negócio, a chamada autoprodução de energia por arrendamento5.

A autoprodução por arrendamento não é uma modalidade prevista de forma expressa em lei, mas é uma estrutura em que a usina, principal ativo para geração da energia, é arrendada para aquele que pretende gerar e consumir a energia elétrica para si, já que a legislação regulatória não exige que o autoprodutor seja também o proprietário de usina.

Para compartilhar os custos da autoprodução de energia, também é possível que diferentes pessoas jurídicas se unam em consórcio para reunir ativos, recursos técnicos e financeiros para implementação e exploração do empreendimento de geração de energia. Cada consorciada é considerada uma geradora de energia com relação ao percentual correspondente à cota-parte prevista no instrumento de constituição do consórcio.

Além disso, o legislador regulatório, por meio do art. 26 da Lei n. 11.488/2007, criou a autoprodução por equiparação, que equipara a um autoprodutor o consumidor de energia que participe de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) constituída para explorar, mediante autorização ou concessão, a produção de energia elétrica. Ainda que para fins regulatórios se privilegie a intenção de produção de energia para consumo próprio por meio de outra sociedade, a SPE é uma entidade com personalidade jurídica própria criada para atuar como veículo para captação de recursos financeiros que não consome a energia elétrica gerada em seu empreendimento, mas sim a comercializa para seus acionistas6.

Cada uma dessas formas de produção de energia para consumo próprio pode atrair diferentes consequências tributárias com relação à incidência de ICMS e cumprimento de obrigações acessórias desse tributo.

2. Incidência de ICMS na autoprodução de energia elétrica

O ICMS, imposto de competência estadual previsto no art. 155, inciso II, da CF e regulado pela Lei Complementar n. 87, de 13 de setembro de 1996 (Lei Kandir), é regido pelo princípio da não cumulatividade, o que pressupõe a utilização de créditos do imposto anteriormente recolhido pelos destinatários. Operações isentas ou não sujeitas à incidência do ICMS não garantem direito à manutenção do crédito do ICMS, exceto se houver previsão em sentido contrário, nos termos do mandamento constitucional.

Por ser um tributo teoricamente neutro, todo o ônus econômico do ICMS deveria recair sobre o consumidor7, o que na prática depende da integral utilização dos créditos pelos contribuintes em suas outras atividades.

Isso porque a Lei Kandir impôs restrições às possibilidades de creditamento de ICMS, limitando significativamente o princípio constitucional da não cumulatividade. A legislação complementar criou uma dicotomia entre insumos que geram direito imediato ao crédito e aqueles cujo aproveitamento foi postergado ao longo do tempo, como os créditos sobre aquisição de ativos imobilizados, apropriados na proporção de 1/48 avos, ou créditos cuja apropriação é postergada para datas futuras, como mercadorias destinadas ao uso ou consumo, postergadas para 2033 (art. 20, § 5º, I e art. 33, I, da Lei Kandir).

A energia elétrica é entendida pelos tribunais8 como um bem que, a depender de sua destinação, pode ser classificada como bem de uso e consumo. Portanto, com a limitação temporal dos créditos de ICMS para esses bens até 2033 – momento em que o ICMS inclusive já terá sido substituído pelo IBS – percebe-se que não será possível aproveitar o crédito de ICMS sobre aquisições de energia elétrica classificadas com bens de uso e consumo.

Os créditos relativos à entrada de energia elétrica no estabelecimento somente poderão gerar direito a crédito, nos termos do art. 33, inciso II, da Lei Kandir, nos casos em que (i) for objeto de operação de saída de energia elétrica, como nos casos revenda de energia ou cessão de montante de energia, por exemplo, (ii) for consumida no processo de industrialização; (iii) seu consumo resultar em operação de saída ou prestação para o exterior, na proporção destas sobre as saídas ou prestações totais; e (iv) a partir de 1º de janeiro de 2033, nas demais hipóteses, quando, conforme mencionado, o ICMS terá sido extinto e substituído pelo IBS.

Percebe-se, portanto, que a limitação da não cumulatividade, com as restrições da plena eficácia ao aproveitamento de crédito do ICMS, pode impactar a carga tributária efetiva suportada pelos contribuintes, que podem se ver obrigados a incorporar ao custo de seus produtos e serviços o ICMS.

Qualquer benefício relativo à incidência de ICMS deve ser aprovado por manifestação favorável de todas as unidades federadas no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), conforme o art. 155, § 2º, incisos II e XII, alínea g, da Constituição Federal (CF) e a Lei Complementar n. 24/1975.

Segundo o art. 155, § 2º, inciso III, da CF, os legisladores estaduais podem optar pela aplicação de alíquotas seletivas de ICMS, segundo a essencialidade das mercadorias e dos serviços. Diante dessa possibilidade, as unidades federadas costumam aplicar uma alíquota padrão de ICMS (também conhecida como alíquota modal) nas operações internas com mercadorias em geral, enquanto determinados bens previstos expressamente na legislação estadual podem ter alíquotas diferenciadas.

Por muito tempo, os Estados aplicaram alíquota mais elevada de ICMS para operações com energia elétrica, sob a justificativa de utilização da seletividade permitida pelo texto constitucional. Contudo, a energia elétrica inegavelmente se tornou um bem essencial para a sociedade moderna, de modo que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu em sede de repercussão geral que uma vez realizada a opção pela técnica da seletividade, o legislador estadual não pode aplicar alíquotas de ICMS para operações com energia elétrica em patamar superior às alíquotas padrões do imposto no Estado9.

Posteriormente, a Lei Complementar n. 194/2022 alterou a Lei Kandir para expressamente prever que a energia elétrica, dentre outros bens, é essencial e não pode sofrer tributação de ICMS em operações internas com alíquotas mais gravosa do que a alíquota padrão atribuída aos demais bens.

Considerando essas peculiaridades, as características do setor elétrico e as modalidades de autoprodução, passaremos a expor sobre a incidência de ICMS na cadeia de consumo da energia elétrica autoproduzida no ACL. Para fins de corte metodológico deste trabalho, analisaremos os aspectos materiais e pessoais da regra matriz de incidência do ICMS sobre operações com energia elétrica, sem desprezar a importância dos aspectos espacial, temporal e quantitativo da regra matriz desse tributo, que merecem estudo apartado.

2.1. Aspecto material da regra matriz de incidência tributária do ICMS sobre operações com energia elétrica

Segundo o art. 155, inciso II, da CF, o ICMS é um tributo de competência estadual que pode incidir sobre operações relativas à circulação de mercadorias, sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e sobre prestações de serviços de comunicação. Para os fins do presente estudo, nos interessa a incidência do ICMS sobre as operações relativas à circulação de mercadoria, sobretudo no que diz respeito à circulação de energia elétrica.

A energia elétrica é aquela gerada pelo movimento contínuo de elétrons, ao longo de um condutor, o que eventualmente poderia gerar dúvidas sobre o enquadramento como uma mercadoria, tradicionalmente vinculada a um bem corpóreo. Ocorre que o próprio constituinte equiparou energia elétrica a uma mercadoria ao prever expressamente a incidência do ICMS sobre esse bem nas operações interestaduais e ao prever que, com exceção do ICMS, do Imposto de Importação e do Imposto de Exportação (além do IBS, que entrará em vigor com a Reforma Tributária), nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas à energia elétrica (art. 155, § 2º, inciso X, alínea b, § 3º, da CF).

Ainda, há outras previsões na legislação brasileira que equiparam energia elétrica a mercadoria, como sua classificação fiscal na Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) sob o n. 2716.00.00 do Sistema Harmonizado de Designação de Codificação de Mercadorias10, sua inclusão na Tabela de Imposto de Produtos Industrializados como um produto não tributável11, e sua equiparação à coisa móvel, prevista na definição de furto do art. 155, § 3º, do Código Penal e na definição de bens móveis com valor econômico no art. 83, inciso I, do Código Civil.

A incidência do ICMS sobre as operações de circulação de mercadorias depende da presença de todos esses elementos previstos no texto constitucional, quais sejam: operação, circulação e mercadoria.

Para a doutrina majoritária, a operação necessária à incidência do imposto estadual decorre da transmissão de propriedade de mercadorias de uma pessoa para outra, com personalidades jurídicas diversas e autônomas entre si12. A circulação, por sua vez, depende da movimentação da mercadoria para outrem, com mudança de patrimônio, ainda que não haja movimentação física13.

Por fim, a mercadoria é espécie de bem comercializado para obtenção de lucro em uma cadeia produtiva14, isto é, um bem corpóreo submetido à mercancia e destinado à venda ou à revenda15.

O ativo imobilizado, por exemplo, não é considerado como uma mercadoria para fins de ICMS justamente porque desde sua aquisição o proprietário do ativo pretende utilizá-lo para produção de bens ou fornecimento de outros bens, sem intenção de comercializá-lo para pessoa diversa no período de pelo menos 12 meses16. Tanto é assim que o STF já decidiu pela incidência do ICMS sobre a venda de veículos antes desses 12 meses, pois nessa situação o bem perde sua natureza de ativo imobilizado17.

Considerando esses elementos da formação da regra matriz de incidência do ICMS é que José Eduardo Soares de Melo conclui pela não incidência do ICMS sobre bens produzidos para uso do próprio produtor18:

“A tributação do ‘autoconsumo’ também é injurídica porque não há fundamento para tributar-se circulação de natureza contábil, equiparando à saída, para efeitos tributários, o uso, o consumo ou a integração no ativo fixo de bem adquirido para industrialização ou comercialização, ou mesmo produzida pelo próprio estabelecimento.” (Destacou-se).

Para alguns autores, todavia, o fator lucrativo (intenção em obter lucro, ainda que o resultado fático seja diverso) não seria essencial para a incidência do imposto. Sob a égide do já extinto Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM), Alcides Jorge Costa19 pregava que a incidência desse imposto ocorreria em qualquer ato voluntário que impulsionasse as mercadorias da fonte de produção até o consumo, independentemente da natureza de negócio jurídico e da transferência de posse, desde que houvesse acréscimo no valor da mercadoria20.

Os tribunais superiores analisaram todos esses elementos em processos que discutiam a incidência de ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular. Em agosto de 1996, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou a Súmula n. 166 para definir a não incidência do ICMS no simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento, pois ausente, nessa situação, a natureza de ato mercantil e a circulação econômica de uma mercadoria.

Pouco tempo depois, em setembro de 1996, a Lei Kandir passou a prever em seu art. 12, inciso I, que o fato gerador do ICMS ocorre no momento da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular. Por ter sido publicada após a Súmula n. 166 do STJ, ainda que por uma breve diferença temporal, o fisco estadual passou a argumentar que a Lei Kandir teria tacitamente revogado a referida súmula e que seria legítima a incidência do ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular (uma única empresa).

Após anos de discussão, o STF decidiu em repercussão geral21 e em sede de controle concentrado de constitucionalidade22 pela não incidência do ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte, por falta de transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia, sendo que a decisão vinculante do STF sobre o tema passou a ter efeitos apenas a partir do ano de 2024.

Como resposta a essas discussões, o Congresso Nacional positivou na Lei Complementar n. 204/202323, com efeitos a partir de janeiro de 2024, que não se considera ocorrido o fato gerador do ICMS na saída de mercadoria de estabelecimento para outro de mesma titularidade, permitindo, todavia, que o contribuinte opte pela equiparação da transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular como uma operação tributada pelo ICMS.

É possível transportar essas definições da jurisprudência e da doutrina, normalmente aplicáveis aos bens corpóreos, para definir que o aspecto material do ICMS sobre energia elétrica depende de operações onerosas entre diferentes pessoas jurídicas, com transferência jurídica da titularidade da mercadoria24.

O STF aplicou esses mesmos fundamentos25 ao analisar a base de cálculo do ICMS em contratos de demanda contratada ou de potência de energia elétrica, na hipótese em que o contratante reservou a energia, mas não a consumiu, definindo que a “operação” é caracterizada pela saída física da mercadoria e circulação jurídica, devendo haver transferência da propriedade da mercadoria, isto é, “[a] circulação de mercadorias apta a desencadear a tributação por meio de ICMS demanda a existência de um negócio jurídico oneroso que envolve a transferência da titularidade de uma mercadoria de um alienante a um adquirente”.

Diante de todo esse cenário e em face da positivação da não incidência do ICMS sobre operações de mera circulação física de mercadoria, como as transferências entre estabelecimentos do mesmo titular, conclui-se que o ICMS só pode incidir sobre a circulação jurídica de energia elétrica entre pessoas com personalidades jurídicas distintas.

2.2. Aspecto pessoal da regra matriz de incidência tributária do ICMS sobre operações com energia elétrica

A análise do aspecto pessoal da regra matriz de incidência do ICMS em operações com energia elétrica envolve a delimitação do sujeito ativo competente para exigir o imposto devido e o sujeito passivo obrigado ao pagamento de tributo na condição de contribuinte com relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador ou na condição de responsável, quando sua obrigação decorra de disposição expressa de lei (art. 121 do CTN).

Com relação à sujeição ativa, a Constituição Federal aplica o princípio do destino para determinar o ente competente para exigir o ICMS em operações com energia elétrica. Nas operações internas, envolvendo o território de uma mesma unidade federada, o ICMS é devido para o Estado ou Distrito Federal onde a circulação ocorre. Já nas operações interestaduais com energia, a busca pelo ente competente para exigir o ICMS perpassa pela previsão constitucional de não incidência do ICMS sobre as operações que destinem energia elétrica a outros Estados (art. 155, § 2º, inciso X, alínea b, da CF).

A Lei Kandir, lei complementar competente para dispor sobre o tema, restringiu a hipótese de não incidência constitucional do ICMS às operações interestaduais com energia destinada à industrialização ou à comercialização e permitiu a incidência do imposto na entrada interestadual de energia quando não destinada à comercialização ou à industrialização, cabendo o ICMS ao Estado ou Distrito Federal onde localizado o adquirente da energia elétrica (ou seja, local do destino da energia).

Após discussões sobre o alcance da não incidência do ICMS prevista na CF e da constitucionalidade de sua regulamentação pela Lei Kandir, o STF definiu em sede de repercussão geral que cabe ao Estado de destino todo o ICMS sobre a operação interestadual de fornecimento de energia elétrica a consumidor final, para emprego em processo de industrialização26. No caso concreto, houve comercialização de energia elétrica de empresa localizada no Paraná para adquirente localizada no Rio Grande do Sul, posteriormente destinada à industrialização de petróleo.

Para o Ministro Alexandre de Moraes, os Estados de origem (frequentemente representados pelos maiores produtores de energia elétrica) não poderiam cobrar o ICMS sobre as operações de energia elétrica remetidas para outras unidades federadas, porque a Constituição Federal pretendeu beneficiar os Estados de destino, onde ocorre o consumo da energia. Ainda, o Ministro Gilmar Mendes relatou que a vontade política do legislador complementar permite a restrição da imunidade aos casos de industrialização e comercialização.

Com isso, manteve-se o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) no sentido de que a não incidência do ICMS nas operações interestaduais é aplicável somente quando a energia é destinada à sua própria industrialização, isto é, quando a energia elétrica entrada no Estado de destino é adquirida para ser utilizada como insumo na produção de energia.

Em face desse cenário27, o entendimento atual da jurisprudência é que as operações interestaduais com energia elétrica são regularmente tributadas pelo ICMS no Estado de destino.

Já com relação à sujeição passiva, a cobrança do ICMS sobre operações com energia elétrica pode tanto ser atribuída ao contribuinte que efetivamente realiza a operação ou a um substituto tributário, quando houver previsão de responsabilidade tributária por substituição (ICMS-ST).

Nos termos do art. 34, § 9º, do Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da CF, até a edição de lei complementar, as distribuidoras de energia seriam contribuintes ou responsáveis tributárias pelo ICMS sobre energia desde a produção ou importação até a última operação, por ocasião da saída de energia de seus estabelecimentos, ainda que para outro Estado.

Anos depois da promulgação da CF e do referido artigo do ADCT, de forma muito semelhante, a Lei Kandir atribuiu às empresas geradoras ou distribuidoras de energia, nas operações internas e interestaduais, a condição de substituta tributária pelo ICMS desde a produção ou importação até a última operação, assegurado o recolhimento ao Estado onde ocorrer tal operação.

A atribuição de responsabilidade pelo ICMS-ST prevista na Lei Kandir é normalmente aplicável às operações com energia elétrica no ACR, hipóteses em que a distribuidora se responsabiliza por recolher o ICMS da cadeia de consumo da qual realiza uma operação de fornecimento de energia para os consumidores. A responsabilidade das distribuidoras de energia elétrica normalmente é acompanhada nas legislações estaduais pela previsão de diferimento do ICMS sobre a cadeia de consumo da energia, ou seja, postergação do pagamento do ICMS, até o momento de sua saída para o consumidor final.

No ACL, todavia, a atribuição de responsabilidade pelo recolhimento do ICMS em operações com energia elétrica pode ocorrer de diferentes maneiras. Alguns Estados optam por exigir o ICMS do sujeito que praticar diretamente as operações com energia elétrica, na condição de contribuinte do imposto e sem aplicação de ICMS-ST, como é o caso de Minas Gerais, Ceará e Piauí nas operações internas com energia elétrica no ACL.

Em outros casos, há Estados que optam por determinar a responsabilidade pelo recolhimento do ICMS nessas operações de acordo com os Convênios que regulamentam o tema no âmbito do Confaz.

Segundo o Convênio ICMS n. 83, de 21 de dezembro de 2000 (Convênio n. 83), os Estados podem atribuir ao gerador, distribuidor e comercializador de energia situados em outras unidades federadas, a responsabilidade pelo ICMS incidente sobre a entrada de energia elétrica não destinada à comercialização ou à industrialização. Logo, nas operações interestaduais com energia destinada ao consumo pelo destinatário, o remetente da energia deve recolher o ICMS para a unidade federada de destino, a qual pode inclusive exigir inscrição do remetente da energia elétrica em seu cadastro de contribuintes.

O Convênio ICMS n. 117, de 15 de dezembro de 2004 (Convênio n. 117), atribui a responsabilidade pelo pagamento ICMS devido pela conexão e pelo uso dos sistemas de transmissão (TUST) ao consumidor que, estando conectado diretamente à Rede Básica de transmissão, promover a entrada de energia elétrica no seu estabelecimento ou domicílio. A TUST é apenas uma das componentes da conta de energia do consumidor conectado na rede básica de energia e não há atribuição de responsabilidade pelo recolhimento do ICMS sobre a tarifa de energia elétrica. O autoprodutor de energia elétrica que retirar energia elétrica da rede básica de transmissão é equiparado a consumidor para fins de atribuição de responsabilidade tributária por substituição e recolhimento do ICMS sobre a TUST.

Nos termos do Convênio ICMS n. 77, de 5 de agosto de 2011 (Convênio n. 77), os Estados signatários28 destinatários da energia elétrica adquirida por contrato de compra e venda no ACL (sem menção à autoprodução de energia) podem atribuir a responsabilidade do ICMS29 sobre toda a cadeia30 (i) à distribuidora que praticar a última operação por força da execução de contratos de conexão e de uso da rede de distribuição por ela operada, firmados com o destinatário conectado em sua rede para consumo da energia adquirida de terceiros e (ii) ao destinatário conectado diretamente à rede básica de transmissão que der entrada de energia elétrica para consumo próprio.

No ACL, a distribuidora apenas garante a entrega da energia elétrica, estando desvinculada das negociações de aquisição da energia que ocorreram entre vendedor e consumidor, sem qualquer acesso ao valor objeto de negociação. Logo, o Convênio n. 77 instituiu a Declaração do Valor de Aquisição da Energia Elétrica em Ambiente de Contratação Livre (Devec), uma obrigação acessória que o consumidor de energia no ACL deve entregar à distribuidora, para que esta possa ter as informações suficientes para calcular a base de cálculo do ICMS a ser recolhido.

No passado, o Estado de São Paulo previa31 que as distribuidoras de energia eram responsáveis por recolher o ICMS sobre o valor da energia diretamente contratada pelos consumidores perante as comercializadoras. O STF32 entendeu que essa previsão estava eivada de inconstitucionalidade por, entre outras razões, não estar suportada em legislação estadual que determinasse com precisão o responsável pelo recolhimento do ICMS, pois a legislação paulista pressuporia responsabilidade apenas àquele que participasse de operações sucessivas com a energia, o que não era o caso da distribuidora no ACL (agente responsável apenas por entregar a energia e não por comercializá-la). Além disso, os Ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia entenderam que o Decreto paulista feria o princípio da livre concorrência, ao permitir às distribuidoras o acesso aos preços praticados pelos demais comercializadores.

A ADI n. 4.281 não avaliou a constitucionalidade do Convênio n. 77, que, conforme mencionado, obriga o fornecimento de informações sobre as operações com energia à distribuidora responsável por recolher o ICMS na condição de substituta tributária.

O Estado de São Paulo33 alterou sua legislação após a ADI n. 4.281, passando a prever que no ACL é responsável por recolher o ICMS (i) o consumidor paulista que adquirir energia elétrica para consumo em operação interestadual e (ii) o alienante paulista que praticar a última operação destinada ao consumo da energia em território paulista. No primeiro caso, o consumidor de energia deve se inscrever no cadastro de contribuintes do Estado de São Paulo, ainda que não seja considerado normalmente como um contribuinte de ICMS e não realize outras operações sujeitas ao imposto.

Como se vê, o responsável pelo recolhimento do ICMS sobre operações com energia elétrica pode ser o contribuinte que realiza essas operações por conta própria ou os substitutos tributários previstos na legislação estadual, como o remetente da energia elétrica, o consumidor da energia e até mesmo a distribuidora de energia elétrica, em operações internas e interestaduais.

Não há, portanto, uma uniformidade no tratamento tributário da responsabilidade tributária pelo recolhimento do ICMS nas operações com energia elétrica no ACL, de forma que a legislação de cada Estado deve ser analisada para verificação da aplicação de tais regras de substituição tributária em operações com energia elétrica.

2.3. ICMS sobre autoprodução de energia elétrica

Sob o ordenamento jurídico atual, somente se admite a incidência de ICMS sobre a circulação física de bens que representem alteração de titularidade entre pessoas com personalidade jurídica diversas.

Logo, há incidência do ICMS na autoprodução de energia elétrica por equiparação, em que uma pessoa jurídica comercializa energia para outra pessoa jurídica (personalidades jurídicas diversas), com transferência de titularidade da mercadoria (energia elétrica). Nesse caso, a energia elétrica circulada deve ser tributada segundo a alíquota interna de ICMS prevista no Estado competente, cujo recolhimento pode ser exigido do próprio contribuinte que circular juridicamente a energia elétrica ou do responsável (gerador, distribuidor, comercializador ou consumidor, conforme o caso).

Na modalidade de autoprodução de energia elétrica tradicional, em que a energia elétrica é produzida para consumo pelo próprio produtor, portanto, sem transferência de titularidade, a incidência do ICMS não é justificada34.

Na autoprodução de energia elétrica tradicional contígua, quando a unidade geradora e a unidade consumidora estão na mesma localidade física e a integralidade da energia gerada é consumida pela mesma pessoa jurídica, não há circulação física da energia que pudesse atrair a incidência do ICMS. A Secretaria de Estado de Fazenda de Minas Gerais confirmou esse entendimento na Consulta de Contribuinte n. 28/2010 ao reconhecer que o “consumo de energia elétrica nas dependências e edificações pertencentes ao mesmo estabelecimento gerador não caracteriza operação relativa à circulação de mercadoria, estando fora do campo de incidência do ICMS”.

Na autoprodução remota, em que a usina de geração de energia elétrica (construída pelo próprio autoprodutor ou objeto de arrendamento de terceiros) está em local diverso das unidades consumidoras, também não deveria haver a incidência do ICMS, pois ausentes os elementos necessários ao fato imponível do tributo: não há intuito lucrativo na remessa física da energia de um para outro estabelecimento do mesmo titular e não há mudança de titularidade da energia elétrica autoproduzida, que permanece no patrimônio de uma mesma pessoa jurídica35.

Esse entendimento já foi acolhido pelo TJMG, que reconheceu a não incidência de ICMS quando a energia elétrica era produzida em Usinas Hidrelétricas localizadas no Estado de Goiás e transferida em operação interestadual para consumo da mesma pessoa jurídica em estabelecimento localizado na cidade de Paracatu, Estado de Minas Gerais, justamente em razão da inexistência de “mercadoria” e de transferência do domínio de bem móvel que gerasse riqueza36.

Em outras ocasiões envolvendo execuções fiscais, o TJMG também reconheceu a não incidência do ICMS na transferência de energia elétrica entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica, mesmo quando as usinas estavam localizadas em estados diversos, já que a única circulação admitida para incidência do ICMS é a jurídica, pressupondo a transferência da propriedade da mercadoria, o que não ocorre na transferência de energia a ser utilizada como insumo em produção de estabelecimento da mesma empresa37.

Não deveria haver diferenças significativas da aplicação desse entendimento quando a autoprodução de energia elétrica é feita em consórcio de diferentes empresas, desde que cada consorciada receba apenas o percentual de energia correspondente ao valor de participação no empreendimento determinado no ato constitutivo do consórcio. Isso porque nos termos do art. 278 da Lei n. 6.404/1976, o consórcio não tem personalidade jurídica e cada consorciada responde pelas obrigações previstas no respectivo contrato associativo.

O consórcio sequer tem a possibilidade de auferir receitas próprias ou comercializar mercadorias autonomamente, o que é reafirmado na Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil n. 1.199/2011, ao expressar que as consorciadas respondem pelos tributos devidos, em relação às operações praticadas pelo consórcio, na proporção de sua participação no empreendimento.

Alberto Xavier38 ensinava que o contribuinte do ICMS é o consorciado individualmente considerado, com relação a cada operação realizada em nome próprio, cujos efeitos jurídicos irão repercutir na esfera jurídica de cada um deles. Nesse mesmo sentido, Fabiana Carsoni esclarece que cada consorciada é responsável pelos correspondentes tributos em consonância com a repartição de obrigações e responsabilidades estabelecida no contrato do consórcio39.

Logo, se empresas com personalidade jurídicas diversas celebram acordo para produzir a própria energia e cada uma das consorciadas recebe apenas a quantidade de energia que corresponde à sua participação no empreendimento gerador, não há comercialização de energia que possa atrair a incidência do ICMS.

O TJMG, mais uma vez, afastou a incidência de ICMS nas transferências de energia elétrica autoproduzida em consórcio para estabelecimentos do mesmo titular. No caso concreto, a consorciada localizada no Estado de Minas Gerais detinha 95% de participação no consórcio, mas isso não alterava o fato de que as figuras de produtora e consumidora se confundiam e não havia circulação jurídica de mercadoria para atrair a incidência de ICMS40.

Além disso, o Tribunal de Justiça de SP (TJSP) também já entendeu que não incide ICMS na autoprodução de energia elétrica entre estabelecimentos do mesmo titular, em caso envolvendo um consórcio formado por uma instituição financeira não contribuinte do ICMS e outro participante que comercializava o excedente de energia com terceiros. Para o tribunal, a movimentação de bens entre unidades de uma mesma empresa não configura fato gerador do ICMS, por não existir finalidade comercial41.

Mesmo com todos esses fundamentos para afastar a incidência do ICMS em operações de autoprodução de energia elétrica (tradicional, por arrendamento e/ou via consórcio de empresas), a aplicação prática desse entendimento pode ser dificultada em razão da complexidade das estruturas utilizadas nesse tipo de projetos e das regras de responsabilidade tributária e de cumprimento de obrigações acessórias.

O ICMS caracteriza-se como tributo submetido ao procedimento de lançamento por homologação, conforme previsto no art. 150 do Código Tributário Nacional. Nesta modalidade, cabe ao contribuinte a responsabilidade de declarar o fato gerador e efetuar o pagamento antecipado do imposto42. À administração fazendária reserva-se a prerrogativa de, no prazo quinquenal contado da ocorrência do fato gerador, analisar e homologar a atividade exercida pelo sujeito passivo, confirmando ou retificando o valor recolhido.

Diante disso, nos projetos de autoprodução em que a energia é destinada a Estados que conferem ao remetente a responsabilidade pelo recolhimento do ICMS, situação observada nas operações interestaduais envolvendo Estados que adotam o Convênio n. 83, compete ao próprio autoprodutor declarar a não incidência do tributo em seus documentos fiscais, os quais serão posteriormente submetidos à análise das autoridades fazendárias.

Todavia, quando o projeto de autoprodução de energia elétrica envolver unidade federada que atribui a responsabilidade pelo recolhimento do imposto para terceiro diverso daquele que remete a energia elétrica autoproduzida, a não incidência do ICMS não pode ser aplicada diretamente nas notas fiscais emitidas pelo agente autoprodutor.

A título de exemplo, um autoprodutor com unidade consumidora conectada na rede de distribuição de energia elétrica e localizado no Rio de Janeiro, em Santa Catarina ou no Paraná, não poderá aplicar a não incidência de ICMS no repasse da energia elétrica autoproduzida, já que nesses Estados, a responsabilidade pelo recolhimento do ICMS é da distribuidora de energia, enquadrada como substituta tributária, nos termos do Convênio n. 77. Ocorre que por motivos diversos, a aplicação da não incidência do ICMS por um substituto tributário pode trazer entraves práticos.

A primeira dificuldade que o autoprodutor pode encontrar é de ordem burocrática para comunicar a não incidência do ICMS em seu projeto para as distribuidoras de energia. Além disso, as distribuidoras podem ter pouco interesse em aplicar a não incidência, mesmo quando devida, para evitar futuros desgastes com as autoridades fiscais. Esse foi inclusive o fundamento que levou o STJ a decidir, em casos envolvendo fornecimento de energia elétrica pela distribuidora (contribuinte de direito), que o consumidor de energia (contribuinte de fato) tem legitimidade para propor ação declaratória combinada com repetição de indébito na qual se busca afastar a incidência do ICMS sobre a demanda contratada e não utilizada, ainda que ele não seja responsável direto pelo recolhimento do tributo43.

Além das questões tributárias relacionadas com as obrigações principais de recolhimento do tributo, o autoprodutor pode encontrar obstáculos no cumprimento de obrigações acessórias, exigíveis independentemente da ocorrência do fato gerador do ICMS44. A emissão de notas fiscais exemplifica este desafio, pois requer a inclusão do Código Fiscal de Operações e de Prestações (CFOP)45 para identificar a natureza jurídica da operação.

Para transferências de energia entre estabelecimentos, normalmente utiliza-se o código aplicável a movimentações entre unidades com mesmo CNPJ raiz, isto é, entre diferentes estabelecimentos pertencentes a um mesmo titular. No entanto, quando a autoprodução de energia ocorre via consórcio, não existe CFOP específico para transferências entre empresas distintas que atuam em parceria. Isso gera a necessidade de aplicar códigos normalmente destinados a estabelecimentos de um mesmo titular em documentos fiscais contendo CNPJs diferentes, situação que pode despertar a atenção das autoridades fiscais, mesmo representando apenas o repasse proporcional da energia autoproduzida em consórcio, e não uma efetiva comercialização entre pessoas jurídicas distintas.

Por essa razão, os autoprodutores frequentemente se veem obrigados a requerer regimes especiais para facilitação do cumprimento de obrigações acessórias do ICMS ou mesmo a recorrer ao Poder Judiciário para garantir a não incidência do imposto sobre a energia que produzem, ainda que operem na modalidade tradicional por meio de consórcio ou arrendamento de usinas preexistentes. Nos casos judicializados, pode ser necessária a intimação dos responsáveis tributários determinados pela legislação estadual, como as distribuidoras de energia elétrica, para que se abstenham de recolher o imposto, demonstrando como a questão ultrapassa a mera relação entre o contribuinte e o fisco, envolvendo terceiros que, por disposição legal, assumem papel relevante na dinâmica tributária.

Conclusão

Considerando o panorama regulatório do mercado de energia elétrica e a legislação tributária vigente, investigou-se a incidência de ICMS sobre autoprodução de energia elétrica, considerando as especificidades que lhe são próprias – autoprodução por equiparação e autoprodução tradicional, por consórcio de empresas e via arrendamento de usinas de terceiros.

As operações com energia elétrica são regidas pelo princípio do destino, de modo que o sujeito ativo competente para instituir e exigir o ICMS sobre operações com energia elétrica é a unidade federada onde localizado o consumidor. Logo, em razão da imunidade imprópria prevista na Constituição Federal, o ICMS é devido para a unidade federada de destino nas operações interestaduais com energia elétrica.

Além disso, com relação à sujeição passiva, cada unidade federada competente pode prever diferentes regras para definir o sujeito responsável pelo recolhimento do ICMS sobre as operações com energia elétrica no ACL: (i) o próprio contribuinte que realizar o fato gerador do ICMS ou (ii) um terceiro responsável pelo recolhimento do ICMS incidente sobre toda a cadeia de consumo de energia, como distribuidoras, transmissoras, geradores, comercializadores e o próprio consumidor da energia. Essas regras podem variar a depender do Convênio adotado pela unidade federada, da extensão da operação, se operação interna ou interestadual, das partes envolvidas e da conexão do consumidor, se na rede básica de transmissão ou rede de distribuição de energia elétrica.

No que diz respeito à materialidade do ICMS, conclui-se que o aspecto material da regra matriz de incidência do ICMS sobre operações relativas à circulação de mercadorias requer a existência de uma mercadoria que é juridicamente circulada e a transferência de titularidade desta mercadoria entre pessoas com personalidades jurídicas própria.

Portanto, há incidência do ICMS toda vez que houver comercialização da energia produzida para pessoa jurídica diversa daquela que a produziu, seja porque há autoprodução por equiparação, modalidade que é considerada como autoprodução apenas para fins regulatórios, seja porque o gerador produziu mais energia do que consumiu e comercializa o excedente para terceiros.

Por outro lado, não deve haver incidência do tributo estadual sobre a autoprodução de energia elétrica tradicional, porque o produtor e o consumidor se misturam, o que por si só afasta a transferência de titularidade da mercadoria e a possibilidade de venda de energia para si mesmo que pudesse representar ato de mercancia.

Nos projetos de autoprodução sem movimentação física da energia (usina e unidade consumidora no mesmo local físico), adiciona-se a esses argumentos a falta de circulação da mercadoria, elemento essencial para o fato imponível do ICMS. Já quando a energia elétrica autoproduzida circula fisicamente entre a usina e a unidade consumidora, a não incidência do ICMS também se baseia na previsão da Lei Complementar n. 204/2023 sobre a não incidência do imposto nas transferências entre estabelecimentos do mesmo titular.

A aplicação desse entendimento não deveria ser diversa nos casos de autoprodução realizada em consórcio de empresas, desde que cada consorciada aproveite a energia elétrica na medida da sua participação no empreendimento, já que o consórcio é apenas um contrato e não uma pessoa jurídica com personalidade própria.

Todavia, em qualquer caso de autoprodução de energia elétrica tradicional – com ou sem movimentação física da energia entre estabelecimentos, com ou sem consórcio de empresas e envolvendo ou não arrendamento de usinas de terceiros – a aplicação da não incidência do ICMS enfrenta complexidade em razão da fragmentação legislativa entre os diferentes estados sobre regra de responsabilidade tributária e pela ausência de diretrizes claras para situações específicas para cumprimento de obrigações acessórias.

Esta realidade impõe aos autoprodutores não apenas o desafio de compreender as particularidades de cada unidade federativa onde atuam, mas também de lidar com a resistência de agentes responsáveis pelo recolhimento do imposto, que frequentemente optam por interpretações conservadoras para evitar questionamentos futuros por parte das autoridades fiscais, mesmo havendo fundamento jurídico para o não recolhimento do imposto nas operações da autoprodução de energia elétrica no ACL.

No âmbito das obrigações acessórias, as dificuldades tornam-se evidentes, especialmente considerando a inadequação dos atuais códigos fiscais (CFOP) para representar fielmente a natureza jurídica das operações de movimentação física de energia elétrica autoproduzida em consórcio de empresas. Esta limitação técnica, aparentemente simples, cria um obstáculo significativo ao gerar documentos fiscais que, embora representem apenas o repasse do percentual de energia autoproduzida, podem ser erroneamente interpretados como comercialização entre pessoas jurídicas distintas, gerando questionamentos por parte do fisco que podem atrair custos adicionais ao desenvolvimento dos negócios empresariais.

A superação deste cenário demanda esforços coordenados em múltiplas frentes, envolvendo não apenas a harmonização legislativa entre os Estados e o desenvolvimento de códigos fiscais adequados às particularidades dos arranjos consorciais, mas principalmente o reconhecimento efetivo pelos fiscos estaduais da não incidência do ICMS nas operações de autoprodução de energia elétrica. Tais medidas assegurariam maior segurança jurídica aos autoprodutores de energia e fomentariam investimentos em geração própria de energia, contribuindo para a diversificação da matriz energética nacional e para a competitividade da indústria brasileira, ao reduzir um de seus principais custos operacionais.

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1 MACHADO, Hugo de Brito. Aspectos fundamentais do ICMS. São Paulo: Dialética, 1997, p. 25.

2 Art. 1º e art. 2º da Lei n. 9.427, de 26 de dezembro de 1996.

3 Lei n. 10.848, de 15 de março de 2004, que estabelece regras gerais sobre a contratação de energia elétrica no ACL e no ACR.

4 BUENO, Gabriela Cavalcanti. ESG em matéria tributária: incentivos na geração de energia solar. In: LISBOA, Julcira Maria de Mello Vianna (coord.). O direito tributário como instrumento para a preservação do meio ambiente. São Paulo: Quartier Latin, 2022, p. 323-344.

5 SANTOS, Rodrigo Machado Moreira. Arranjos contratuais e societários para enquadramento na autoprodução de energia elétrica: base normativa, regularidade e risco de descaracterização. 2024. Dissertação (Mestrado Profissional) – Fundação Getulio Vargas, Escola de Direito de São Paulo, p. 32.

6 GANIM, Antonio. Setor elétrico brasileiro: aspectos regulamentares, tributários e contábeis. 3. ed. Rio de Janeiro: Synergia, 2019, p. 110.

7 Segundo Carrazza, o ICMS, por ser um tributo indireto de acordo com a classificação econômica, faz com que a repercussão de sua carga econômica seja suportada pelo consumidor final, que ao adquirir os bens ou serviços, pagará o quantum do tributo no preço (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 605).

8 STJ, Recurso Especial (REsp) n. 1.149.832/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgamento em 7 de outubro de 2010: “Conforme consignado no acórdão recorrido, a inicial é explícita quanto ao pedido de direito de crédito de ICMS decorrente da aquisição de bens destinados ao ativo fixo, uso e consumo, dentre os quais elencam-se a energia elétrica e os serviços de comunicação.”

Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Apelação n. 1702328-13.2012.8.13.0024, julgamento em 31.07.2018: “Em 24 de setembro de 2009, foi autuada (Auto de Infração n. 01.000162618.26) sob a alegação de aproveitamento indevido de crédito de ICMS, nos períodos de junho de 2005 a junho de 2009, referente às aquisições de bens de uso e consumo, inclusive energia elétrica não consumida no processo de industrialização, além de bens alheios à atividade empresarial (classificados pela Autora como ativo permanente).”

Conselho de Contribuintes do Estado de Minas Gerais (CCMG), Acórdão n. 3.784/11/CE, julgamento em 25.11.2011: “A energia elétrica ingressada no estabelecimento autuado, não consumida no processo industrial (na mineração, no presente caso), é considerada ‘material de uso e consumo’, cujo crédito de ICMS é expressamente vedado pelo art. 70, III, do RICMS/02.”

CCMG, Acórdãos n. 22.229/16/3ª e n. 22.230/16/3ª, julgamento em 18.10.2016 e Acórdão n. 22.164/16/3ª, julgamento em 30.08.2016: “Constatada a falta de encerramento do diferimento do ICMS, relativamente à parcela da energia elétrica adquirida sob esse regime de tributação e consumida fora do processo produtivo do estabelecimento autuado, hipótese em que a energia é considerada material de uso e consumo.”

9 STF, Recurso Extraordinário (RE) n. 714.139, Tema n. 745 da repercussão geral, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 18.12.2021.

10 Decreto n. 97.409, de 22 de dezembro de 1988.

11 Aprovada pelo Decreto n. 11.158, de 29 de julho de 2022.

12 BORGES, José Souto Maior. O fato gerador do ICM e os estabelecimentos autônomos. Revista de Direito Administrativo v. 103. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1971, p. 33.

13 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 563.

14 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS: teoria e prática. 15. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2020, p. 17.

15 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 50-51.

16 Pronunciamento Técnico n. 27 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC): “Ativo imobilizado é o item tangível que: (a) é mantido para uso na produção ou fornecimento de mercadorias ou serviços, para aluguel a outros, ou para fins administrativos; e (b) se espera utilizar por mais de um período. [...] Vida útil é: (a) o período de tempo durante o qual a entidade espera utilizar o ativo; ou (b) o número de unidades de produção ou de unidades semelhantes que a entidade espera obter pela utilização do ativo.”

17 RE n. 1.025.986/PE, Rel. Min. Marco Aurélio, Plenário, julgamento em 05.08.2020.

18 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS: teoria e prática. 15. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2020, p. 35.

19 COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Resenha Tributária, 1979, p. 89-95.

20 Salvador Brandão Júnior argumenta que deveria incidir ICMS mesmo nos casos de transferência de mercadorias entre estabelecimentos, pois essa circulação física representaria uma etapa da circulação da mercadoria, dentro de uma cadeia de agregação de valor. Para o autor, a não incidência do ICMS distorce a tributação plurifásica do imposto (BRANDÃO JÚNIOR, Salvador Cândido Brandão. O software como mercadoria e sua distinção da propriedade intelectual: uma revisão dos conceitos de circulação e de mercadoria. São Paulo: Dialética, 2021).

21 STF, RE n. 1.255.885/MS, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgamento em 14.08.2020.

22 STF, Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) n. 49, Rel. Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgamento em 19.04.2021.

23 Por fim, deve-se atentar para o fato de que a Lei Complementar n. 194/2022 inclui o inciso X no art. 3º da Lei Kandir para prever que o ICMS não incide sobre os valores de serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica. Contudo, a aplicação dessa previsão foi suspensa temporariamente pelo STF em Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 7.195/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 09.02.2023. Ao final dessa ação, o STF definirá se tais encargos, pela natureza jurídica que lhes é própria, podem ser incluídos no aspecto material da regra matriz de incidência de ICMS nas operações com energia elétrica, o que poderá ser objeto de estudo apartado sobre a matéria.

24 Relevante, nesse aspecto, o trecho do voto do Min. Edson Fachin no RE n. 748.543/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgamento em 05.08.2020: “A circulação de mercadorias apta a desencadear a tributação por meio de ICMS demanda a existência de um negócio jurídico oneroso que envolve a transferência da titularidade de uma mercadoria de um alienante a um adquirente. A operação, portanto, somente é tributada quando envolve essa transferência, desde que ausente regra obstativa do exercício do poder de tributar, isto é, imunidade tributária. Em relação à mercadoria energia elétrica, entende-se que o ICMS tem por hipótese de incidência possível a circunstância de alguém praticar negócios jurídicos que girem em torno de sua geração, transmissão, distribuição ou consumo.”

25 STF, Tema n. 176 de Repercussão Geral, Recurso Extraordinário (RE) n. 593.824/SC, Rel. Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgamento em 27.04.2020.

26 STF, Tema n. 689 de Repercussão Geral, RE n. 748.543/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgamento em 05.08.2020.

27 Em 29 de novembro de 2022, o STJ julgou Agravo Interno no REsp n. 1.883.142/RJ e afastou a pretensão do Estado do Rio de Janeiro em exigir ICMS de empresa localizada no mesmo Estado que adquiriu energia elétrica de comercializadora localizada no Estado do Paraná, com a intenção de utilizar a energia para industrialização de aço. Para a Fazenda, a adquirente era consumidora final da energia, já que não teria usado essa mercadoria como matéria-prima. O Tribunal de Justiça entendeu que a energia elétrica era essencial e necessária para a industrialização do aço, não havendo que se falar em limitação da não incidência apenas aos casos de “industrialização da própria energia”, fundamentos acatados pelo STJ.

28 Atualmente, Mato Grosso, Santa Catarina, Sergipe, Bahia, Goiás, Paraná e Rio de Janeiro. Segundo o Convênio n. 77, quando Santa Catarina, Sergipe, Bahia, Goiás, Paraná e Rio de Janeiro, bem como o São Paulo (veja que não se inclui o Mato Grosso) forem destinatários de energia em entrada interestadual, não se aplicam as disposições do Convênio n. 83, pelo qual se atribui a responsabilidade tributária pelo recolhimento de ICMS nas operações com energia elétrica no ACL ao remetente da energia elétrica, localizado no Estado de origem.

29 Caso a última operação da cadeia seja realizada por geradora ou distribuidora que destine a energia elétrica diretamente ao destinatário em outra unidade federada para consumo (sem nova comercialização ou industrialização), os Estados podem atribuir a responsabilidade pelo ICMS sobre a entrada da energia no Estado para tais agentes.

30 Sucessivas operações internas e interestaduais, desde a sua importação ou produção até a última operação da qual decorra a sua saída com destino a consumo.

31 Art. 425 do Regulamento de ICMS de São Paulo (RICMS/SP), aprovado pelo Decreto Estadual/SP n. 45.490, de 30 de novembro de 2000, com a redação do Decreto Estadual/SP n. 54.177, de 30 de março de 2009.

32 STF, ADI n. 4.281, Min. Rel. Rosa Weber, Tribunal Pleno, julgamento em 13.10.2020.

33 Arts. 425 e seguintes do RICMS/SP, com a redação do Decreto Estadual/SP n. 66.373, de 22 de dezembro de 2021.

34 Esses fundamentos não são aplicáveis para a comercialização do excedente de energia elétrica autoproduzida com terceiros, justamente por haver troca de titularidade da energia elétrica.

35 Caso o contribuinte opte por equiparar a transferência de mercadorias entre estabelecimentos a uma operação tributada pelo ICMS, nos termos do art. 12, § 5º, da Lei Kandir, a aplicação desse argumento pode ser prejudicada.

36 TJMG, Agravo de Instrumento n. 0373044-54.2014.8.13.0000, julgamento em 22.01.2015, cuja tutela concedida foi confirmada na Apelação n. 0839374-90.2014.8.13.0024, julgamento em 24.04.2017. O mesmo contribuinte ajuizou ação declaratória para evitar autuação fiscal, na qual o TJMG manteve o posicionamento, conforme Apelação n. 5129719-11.2018.8.13.0024, julgamento em 11.02.2021.

37 TJMG, Apelação n. 5013533-65.2019.8.13.0024, julgamento em 01.07.2021 e TJMG, Apelação n. 5003395-32.2019.8.13.0382, julgamento em 02.06.2022.

38 XAVIER, Alberto. Consórcio: natureza jurídica e regime tributário. Revista Dialética de Direito Tributário n. 64. São Paulo: Dialética, janeiro de 2001, p. 7-26.

39 SILVA, Fabiana Carsoni Alves Fernandes da. Consórcios de empresas: aspectos jurídicos relevantes. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 203-204.

41 TJSP, Apelação n. 0020980-86.2012.8.26.0053, julgamento em 08.05.2017. No mesmo sentido, Apelação n. 0177779-98.2007.8.26.0000, julgamento em 04.04.2011, em que o TJSP entendeu pela não incidência de ICMS sobre a circulação de energia elétrica autoproduzida pela Codesp na usina hidrelétrica de Itatinga. Há também julgados do TJSP favoráveis e desfavoráveis à tese de não incidência de ICMS na circulação de energia elétrica no âmbito da geração distribuída de energia no ACR, inclusive em consórcio, hipótese em que também há geração e consumo da energia pela mesma pessoa: Apelação n. 1024836-71.2020.8.26.0405, julgamento em 21.08.2023 (favorável) e Apelação n. 1042466-77.2019.8.26.0114, julgamento em 02.09.2020 (desfavorável).

42 HORVATH, Estevão. Lançamento tributário e “autolançamento”. São Paulo: Dialética, 1997, p. 79-89.

43 Tema Repetitivo n. 537 do STJ, julgamento em 08.08.2012.

44 Nesse sentido, é possível citar os seguintes julgados do STF como exemplo: Agravo Regimental (AgRg) no Agravo em RE (ARE) n. 1.055.477/AL, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgamento em 01.09.2017; AgRg no ARE n. 709.980/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgamento em 17.12.2013; AgRg no RE n. 702.604/AM, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgamento em 25.09.2012; RE n. 627.051/PB, julgamento em 12.11.2014.

Ainda, no âmbito do STJ: Agravo Interno (AgInt) no Agravo em Recurso Especial (AREsp) n. 1.180.480/RJ, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgamento em 19.08.2019; AgInt no REsp n. 1.701.432/ES, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgamento em 11.07.2019; REsp n. 899.895/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgamento em 04.06.2019 e AgInt no AREsp n. 1.448.904/MS, julgamento em 11.06.2019.

45 Anexo II – Código Fiscal de Operações e de Prestações – CFOP – do Convênio s/n., de 15 de dezembro de 1970.